Coluna Internacional : Pesca industrial desenfreada e mudanas climticas pem Antrtida e equilbrio global em perigo, alerta relatrio
Enviado por alexandre em 10/06/2025 09:53:41

Pesca industrial desenfreada e mudanas climticas pem Antrtida e equilbrio global em perigo, alerta relatrio
Foto: Reproduo 464e

Especialistas pressionam por uma reviso das protees ambientais do Oceano Antrtico e a reforma do rgo responsvel pela conservao da vida martima local

Conhecida como a "ltima fronteira", a Antrtica pode parecer uma realidade remota, isolada por geleiras, tempestades e clima extremo. O continente, no entanto, est mais prximo do que se imagina, com ventos que influenciam o clima global e correntes martimas que alimentam todos os oceanos.

Apesar do papel crucial que desempenha no equilbrio climtico da Terra, a Antrtida segue frequentemente negligenciada nas decises polticas globais, enquanto suas guas sofrem os impactos crescentes da pesca industrial e das mudanas climticas. Diante desse cenrio, cresce a presso por uma reviso das protees ambientais do Oceano Antrtico, como destaca o relatrio do grupo Defensores da Antrtica, divulgado nesta tera-feira durante a terceira Conferncia da ONU sobre os Oceanos (UNOC3), em Nice, na Frana.

Um dos problemas mais conhecidos e urgentes, destaca o documento, a explorao predatria do krill, um pequeno crustceo marinho que a base da cadeia alimentar da fauna local, como pinguins, baleias, focas e aves marinhas — estima-se que cerca de 80 milhes de toneladas de krill sejam consumidas anualmente.

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Alvo crescente de pesca industrial — por ser uma fonte rica de leo mega-3 e pela sua utilizao em raes animais — a espcie tambm desempenha um papel central no ciclo do carbono, capturando-o da superfcie e contribuindo diretamente para a regulao climtica. Alguns estudos, cita o relatrio, sugerem que, sem a ao do krill, haveria 50% mais de CO na atmosfera.

O cenrio se agrava quando se leva em conta que as embarcaes industriais altamente mecanizadas competem com os predadores naturais pelo krill, que, por sua vez, j enfrentam os efeitos combinados do aquecimento acelerado dos oceanos, acidificao da gua e derretimento do gelo marinho.

— Estamos lidando com um sistema de mltiplos fatores de estresse. Quando falamos de pesca predatria e de todos os problemas reais que afetam o ecossistema como um todo, isso est diretamente relacionado aos problemas globais das mudanas climticas — explica o professor Ronaldo Christofoletti, presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Ocenica da Unesco e pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de So Paulo (Unifesp).

— Porque, se houver pesca excessiva e um sistema instvel na Antrtida, no teremos uma Antrtida saudvel. E, sem isso, o continente no conseguir cumprir adequadamente o papel que tem no equilbrio climtico.

Para conter o estresse cumulativo sob o qual a fauna marinha antrtica est submetida, os cientistas e ambientalistas pedem tambm a ampliao da rede de reas Marinhas Protegidas (AMPs) na Pennsula Antrtica, uma das mais afetadas pelo aquecimento global e pela concentrao da pesca de krill.

A criao e a gesto dessas reas dependem da Comisso para a Conservao dos Recursos Marinhos Vivos da Antrtida (CCAMLR), organismo internacional criado em 1982 com o objetivo de conservar a vida marinha antrtica. No entanto, desde ento, apenas duas AMPs foram estabelecidas por consenso, uma na Plataforma Meridional das Ilhas rcades do Sul, em 2009, com cerca de 94 mil km, e a do Mar de Ross, com 2,09 milhes de km — esta sendo a ltima aprovada, em 2016.

Propostas de proteo para reas como o Mar de Weddell, o Leste da Antrtida e a prpria Pennsula Antrtica vm sendo barradas por alguns pases — notadamente Rssia e China — que exercem poder de veto e alegam falta de base cientfica ou impacto econmico excessivo sobre suas frotas pesqueiras.

— Uma delas, por exemplo, a Zona 1, que corresponde rea da Pennsula [Antrtica]. Essa rea se destaca porque a pennsula se projeta, e as correntes acabam contornando essa regio. Alm disso, essa pennsula concentra muitos equipamentos de pesca, estando mais prxima devido dinmica das correntes e ao gelo, especialmente antes do inverno — explica o assessor de Polticas Ocenicas da Blue Marine Foundation, Maximiliano Bello.

— A rea abriga grande parte da vida de diferentes aves e animais e foi proposta pelo Chile e pela Argentina. No entanto, apesar de ser uma das melhores propostas que j vi, tanto em termos de pesquisa quanto na organizao dos argumentos e na forma como foi elaborada, ela no foi adotada.Alm disso, sob a CCAMLR, havia um limite preventivo de 620 mil toneladas por ano para a pesca de krill, com suspenso da atividade ao atingir esse volume.

No entanto, em 2024, a falta de consenso no rgo levou ao fim das regras que distribuam a pesca em quatro zonas, permitindo que toda a cota de pesca avance sobre regies ecologicamente sensveis. Segundo o relatrio, em 2025, dez superarrastes (grandes embarcaes) operavam de forma concentrada perto da Pennsula Antrtica, realizando pesca quase ininterrupta com apoio logstico que permite at 11 meses seguidos no mar.

Em 2023, a Noruega liderou a pesca no Oceano Antrtico, respondendo por 67,2% da captura total, seguida pela China (17,1%), Coreia do Sul (8,4%), Chile (4,4%) e Ucrnia (2,8%).

Alm do apelo para uma reforma na CCAMLR, o relatrio tambm pede que 30% das guas antrticas sejam protegidas at 2030, em linha com o Marco Global da Biodiversidade (meta 30x30).

E nesse ponto, destaca Christofoletti, que o Brasil pode desempenhar um grande papel ao liderar a Conferncia da ONU para o Clima (COP30) neste ano, em Belm. Em discurso na abertura da UNOC3, o presidente Luiz Incio Lula da Silva afirmou que preciso convencer as lideranas a acreditar nas mudanas climticas e, sobretudo, a investir na educao sobre o tema.

— Quem defende a Amaznia precisa ver a nossa COP30 — disse Lula.Apesar da distncia da Amaznia com a Antrtida, todos os sistemas esto conectados, como explica o professor Christofolloti. Isso porque o oceano absorve o calor da atmosfera de todo o globo, particularmente das reas tropicais. Ento, por meio das correntes ocenicas, o calor "desce" at a Antrtida, onde a temperatura mais baixa, e ento torna a circular, como um sistema do ar condicionado ou da geladeira.

— Tudo o que acontece na Antrtida no fica na Antrtida. Acontece com todo mundo. Pode parecer longe, mas o motor deste oceano. Se perdermos esse motor, perdemos o motor da vida, basicamente — comenta Bello.
Na segunda-feira, durante a abertura da UNOC3, o secretrio-geral da ONU, Antnio Guterres, alertou que "o fundo do mar no pode se tornar o Velho Oeste", fala entendida como referncia liberao da minerao em alto-mar anunciada pelo presidente americano, Donald Trump, h um ms, desafiando a ONU e os alertas ambientais.

— As guas profundas no esto venda, assim como a Groenlndia, a Antrtida e o alto-mar. uma loucura permitir prticas predatrias que alteram e destroem o fundo do mar e a biodiversidade — reiterou o presidente francs, Emmanuel Macron.

Todos os alertas ecoam os dados mais recentes do Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC) da ONU, segundo os quais a taxa de aquecimento dos oceanos mais que dobrou desde 1993. Em 2023 e 2024, as temperaturas mdias da superfcie do mar atingiram nveis recordes.

A Antrtida, em particular, vem registrando um aumento mdio de 0,12C por dcada nos ltimos 40 anos, segundo estudos da istrao Meteorolgica da China (CMA). Alm disso, uma anlise do Instituto ClimaInfo divulgada na segunda-feira mostrou que os invernos dos dois ltimos anos registraram uma mnima histrica na extenso de gelo do continente.

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— O oceano o corao deste planeta. de l que viemos, de l que vm os cus azuis, a atmosfera, tudo vem do oceano. E precisamos responder a isso tambm — finalizou Bello. A reprter viajou para Nice com a FGS Global, em parceria com a Iniciativa Ocenica da Bloomberg.

Fonte: O Globo

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